A música clássica é envolvida por uma densa teia de atividade cerebral: um vasto mundo de análise e pesquisa; uma história ainda sendo explorada em seus recantos mais remotos; um campo educacional repleto de publicações e manuais acadêmicos; uma ciência de gravação capaz de reproduzir quase perfeitamente a experiência de concertos ao vivo; uma indústria fonográfica na qual milhões ainda participam; uma cultura de performance que exige um exército de empresários, patrocinadores, agentes e equipes de gerenciamento nas instituições musicais; editoras que publicam repertório antigo e novo, produzindo individualmente partes para orquestras e grupos de câmara; revistas de música e seus sites; editoras de livros com novas obras todo ano, tanto para especialistas quanto para leigos interessados. No meio de tudo isso, os intérpretes lutam com prazos, viagens ocasionais para adquirir materiais, pressões dos gestores, dos agentes, do repertório e de suas novidades, além da logística de viagem. Quando um espectador inocentemente compra um ingresso para um concerto ao vivo, a fachada dos rituais dessa forma de arte apresenta uma experiência tranquila, profissional e digna. Mas por trás do verniz polido, uma tempestade de caos organizacional navega por uma paisagem emocional moldada por picos montanhosos de ameaça profissional e o profundo abismo da insegurança artística.
Onde está a música nesse labirinto?
Antes mesmo de o espectador tomar seu assento, um exército de profissionais estava preocupado com coisas que dificilmente tinham algo a ver com a música em si. O resultado é que a apresentação de uma obra musical é protegida pela segurança do profissionalismo, assegurando que o evento ao vivo tenha sido cuidadosamente preparado e que milhares de notas no papel de tantas partes diferentes serão reproduzidas com tanta fidelidade à intenção do autor quanto possível. Mas assim que a música é tocada, tudo evapora, como um fantasma, deixando nada mais que uma impressão na alma do ouvinte atento. Toda a atividade concreta e frenética até a performance não é a música, mas apenas seu aparato de produção, e estende-se muito além do que acontece na sala de concerto – um empreendimento massivo de inúmeras pessoas, levando a um efêmero e acústico estrondo que desaparecerá, esperamos, em uma salva de palmas.
A música parece, portanto, estar totalmente dependente de coisas que não são musicais, isto é, que estão fora da experiência de performar e escutar uma obra musical. É óbvio o porquê disso: é uma forma de arte que exige muitas estruturas de suporte – ao contrário de outras artes. O pintor pode trabalhar com uma tela, pincéis e tinta; o poeta – se precisar – pode se arranjar apenas com um lápis e um papel (o computador é apenas uma extensão luxuosa de suas necessidades básicas). Quando o pintor termina sua obra, ela está lá para todos verem, sempre o mesmo objeto artístico, enquanto a partitura musical espera até que sua estrutura de suporte tenha absorvido e traduzido seus sinais para a realidade da música.
O que é a música?
Não é a partitura nem as partes individuais dos músicos da orquestra, nem mesmo sua gravação; é a combinação de vibrações no ar e a percepção coerente pela mente humana, que descobre as relações internas e envia o resultado para o profundo do território emocional do ouvinte, onde as fontes de energia da alma são prazerosamente comovidas – no caso de uma boa recepção – ou onde as penas de irritação se agitam se a música cruzar as linhas das expectativas que foram traçadas para proteger sensibilidades anteriores. A neurociência tem explorado as formas nas quais impulsos são transformados em padrões mais ou menos lógicos, mas nada disso é música. A mente funciona como uma caixa de correio que recebe uma carta, mas não impõe suas particularidades na mensagem.
A música é uma mensagem? E se for, de qual linguagem?
Centenas de livros foram escritos sobre esse assunto, sem um resultado conclusivo – isto é, um resultado que seja válido em todas as formas musicais. Podemos dizer apenas que a música existe na experiência de escutá-la, no momento em que está sendo tocada ou quando está sendo escutada por meio de uma gravação, que é a imitação do evento real. Toda a atividade da estrutura de suporte da música, como descrita acima, é consciente: é uma ação consciente do cérebro traduzida em ação. E é enorme. Mas não é música, que acontece em um nível diferente da consciência. Não seguimos uma narrativa musical de forma intelectual da mesma maneira que lemos uma história: “Primeiro isso acontece, depois aquilo, e eventualmente ela foge com o homem mais jovem”. Também é diferente de ler poesia: um poema verdadeiramente bom usa palavras para evocar imagens cheias de emoções na mente, que nos transportam para um mundo imaginário. Um poema que apenas descreve sem evocar emoções nos deixa intocados. Os melhores poemas conseguem fazer com que as palavras façam algo próximo do funcionamento da música: através de associações, eles criam vibrações emocionais, criam uma atmosfera cheia de significado, sem necessariamente transmitir claramente qualquer sujeito concreto ou até mesmo compreensível, como neste trecho de Gitanjali, do autor Rabindranath Tagore:
“No início do dia, sussurrou-se
que nós partiríamos em um barco,
tu e eu apenas,
e que jamais alma alguma saberia
desta nossa jornada
para algum país sem destino.
Neste mar sem limites,
com teu sorriso silencioso e atento,
meus cânticos multiplicariam melodias,
livres como as ondas,
livres de toda prisão das palavras.”
Nossas emoções não são um borrão, uma turva piscina de instintos animais, mas podem ser tão claras quanto qualquer consciência, como às vezes é demonstrado em sonhos com imagens complexas combinando visões claras com emoções intensas. Existem muitos traços de inteligência e ordem no campo emocional, o que torna possível nos relacionarmos significativamente com nossa consciência. A cultura ocidental fez muito em termos de intelecto, avanço científico e tecnologia – todos produtos da consciência, que se afastam da natureza, intervêm nela e a sujeitam às nossas necessidades, tanto para nosso benefício quanto para nosso prejuízo. Mas emocionalmente, a civilização ocidental é gravemente subdesenvolvida, o que não é difícil de perceber. O cultivo de uma percepção emocional repousa no coração das artes, e é em parte por essa falta de desenvolvimento emocional que o estabelecimento de novas artes visuais e novas músicas é tão carente em experiência emocional e muitas vezes claramente primitivo. A música clássica, no entanto, composta em tempos em que a sensibilidade emocional era cultivada pelos artistas como parte normal da vida, prospera em percepção emocional e sutileza, e a erosão desse entendimento que vemos o tempo todo aponta para uma erosão geral das sensibilidades nas relações humanas. Mas isso também significa que aprender a entender música clássica contribui para o desenvolvimento de uma percepção emocional em geral. É nessa capacidade que a música clássica tem um valor social e de desenvolvimento importante para o bem-estar de uma comunidade.
Entender música clássica. O que isso quer dizer?
Em primeiro lugar, significa entender como escutá-la. Há uma forma passiva de escuta, que é sentar-se e relaxar, ignorar a audiência e os músicos, fechar os olhos e deixar o som tomar conta de si – como se estivesse tomando um banho auditivo – sem prestar muita atenção ao que está acontecendo. Certamente algo do significado musical será experimentado, mas é como tomar um banho – faz bem a você, mas só toca as camadas superficiais. Para realmente experimentar música como o compositor e (assim se espera) os intérpretes desejam que seja experimentada, um estado mental deve ser preparado, que combine o mais alto nível de alerta e atenção focada com a abstenção total de deliberação intelectual. Como isso pode ser alcançado? Temos pensamentos o tempo todo, até dormirmos ou (se formos jovens sem experiência) caímos em um estado de embriaguez. Mas uma forma de atenção sem pensamento é perfeitamente possível. Em vez da consciência lidar consigo mesma – isto é, ter pensamentos – um estado de consciência é possível onde toda a atenção está focada em algo que está fora – neste caso, a narrativa musical onde todas as notas estão arranjadas ao longo de eixos de relacionamentos, mudando de posição o tempo todo e, portanto, mudando a perspectiva. Música – aquela tonal, música clássica – tem mais de uma dimensão no som físico: é estruturada com um plano de fundo e um plano da frente. O último é a presença acústica, como ela impressiona nossa consciência; o outro é a direção tonal, que se move por trás dessa impressão, levando nossa consciência de um momento para o próximo. A maior parte da música clássica tem um campo intermediário, diferenciando entre o plano de fundo e o da frente e responsável pela experiência de um espaço interior na música.
Escutar música clássica dessa forma requer exercício, através do qual o ouvinte precisa estar atento à atitude de sua própria consciência. Todos conhecemos a experiência de sentar em um concerto enquanto nossos pensamentos estão habitando no que aconteceu naquele dia, em nossas preocupações que voltarão em grande escala, sem adornos, no caminho para casa, ou outros pensamentos que formam uma barreira entre nós mesmos e a música que viemos especialmente para ouvir, mas de alguma forma não conseguimos nos relacionar no momento. Nesse último caso, nos privamos do verdadeiro significado da obra musical se não pudermos superar, durante o concerto, nossas vidas pessoais. Afinal, essa foi a razão pela qual fomos a um concerto em primeiro lugar: para nos engajarmos em uma atmosfera onde a vida cotidiana foi deixada para trás, para refrescar nosso ser interior e para deixar a música falar conosco – seja em um sentido real ou aspiracional, sobre o que o eu poderia ser se nos desenvolvêssemos um pouco mais em nosso crescimento espiritual, por assim dizer.
O que acontece quando escutamos música clássica da forma correta?
Música é uma forma matemática, um campo de proporções e relações baseadas nas proporções que encontramos em todos os lugares da natureza. A mente humana, sendo parte da natureza, pode perceber essas proporções e relações, não apenas matematicamente, mas também auditivamente e emocionalmente. Por exemplo, temos um sistema de percepção integrado que percebe imediatamente as relações criadas pelos semitons tonais nos quais a tonalidade musical foi construída. Quando escutamos uma dissonância que se resolve em uma consonância, soa como uma tensão sendo resolvida, ou um som “irritante” deslizando para um som “uniforme”, harmonioso. Percebemos imediatamente duas proporções matemáticas sem a intervenção do intelecto. O ouvido percebe, e o cérebro resolve e interpreta as proporções, criando um efeito emocional. Dessa forma, podemos escutar “dentro” da música e “seguir” todas as diferentes mudanças nas relações que criam uma narrativa que parece nos levar a uma jornada imaginária através de um campo não existente – isto é, não existente em uma realidade material. Mas existe, de uma forma muito real, em nosso reino interior, onde podemos abrir as portas da percepção e não nos deixar sermos distraídos por nós mesmos.
Relacionamo-nos com os elementos emocionais da música, suas nuances expressivas, através das relações tonais que percebemos diretamente e emocionalmente. Na música, esses elementos são ordenados para formar um todo lógico e estrutural, que pode incluir contrastes, conflitos ou cores diferentes, com o resultado de nossas próprias respostas emocionais também sendo organizadas pela música. Isso explica os efeitos edificantes da boa música clássica: sentimo-nos reconhecidos e justificados em nosso ser mais profundo e íntimo – ao mesmo tempo, ondulações emocionais são organizadas, harmonizadas, colocadas em seu devido lugar e em relações onde interagem positivamente, adicionando a um todo que é mais do que a soma das partes. Tal música nos faz experimentar como nos sentiríamos se pudéssemos viver nosso potencial, em um nível mais profundo que o intelecto, mais profundo do que palavras ou descrições, porque alcança as camadas de nosso ser que existiram antes dos superestratos de consciência e intelecto que foram desenvolvidos desde nossa infância. Em outras palavras, tal música é a linguagem da alma antes da consciência.
Apesar de ser uma experiência comum entre frequentadores de concertos, não é de forma alguma algo autoevidente ou trivial. A capacidade de entrar no campo da imaginação da narrativa musical é o que a sensibilidade musical realmente significa. Podemos chamar isso de “escuta ativa”: uma atenção desperta que coloca, durante a duração da música, nosso ego e nosso intelecto em uma caixa, para sermos levados de volta a uma sala de espera da vida, onde nos fortalecemos para o mundo real, com nossas identidades mais profundas confirmadas e nossas esperanças, mesmo que irracionais, restauradas.
O que isso significa para as pessoas trabalhando para a música em um sentido prático: equipe de gerenciamento, agências de concerto, promotores, acadêmicos, jornalistas/críticos de música, editores de publicação de música, editores de livros/revistas e similares? Para eles, é fácil esquecer como aquela “música” não é um produto, um objeto para ser “vendido”, um veículo para fazer dinheiro ou para alavancar carreiras, ou ainda um truque legal para profissionais de marketing – ela é uma “coisa em si mesma” com valor intrínseco. É a razão pela qual eles têm um trabalho em primeiro lugar. O coração de sua existência é uma experiência imaterial, que precisa nascer o tempo todo porque está morrendo o tempo todo – e para mantê-la viva, é necessário retornar de novo e de novo para a consciência do que ela é, do que irá danificá-la e o que a forçará à escravidão e à exploração como um resultado das pressões para a praticidade. Onde a música for tratada como uma commodity e a fome da audiência por nutrição espiritual for explorada para ganhos que nada têm a ver com a forma da arte, a performance da música se afogará para um nível de prostituição e seu significado evaporará.
Então, toda a atividade cerebral que levou à experiência musical desaparece dentro do espaço interno da música no momento em que todas as preparações foram cumpridas. E é nesse espaço interno que é justificado o bem comum da vida de concerto, apesar de toda a confusão, caos e mal-entendidos do mundo à nossa volta. Vamos nos treinar para abandonar nosso ego para a experiência que vai nos devolver de tal forma que não poderíamos imaginar sem a música.
Comentários e Reflexões:
Após ler o texto do professor John Borstlap, investi algum tempo na reflexão sobre a pergunta “o que é a música” a partir de uma perspectiva cristã, que trouxesse mais profundidade a questão ao mesmo tempo que ampliasse a discussão para além do campo terreno.
Ao deparar-se com a pergunta “o que é a música?” você logo pode pensar em sons oriundos de instrumentos musicais, em uma partitura ou até na lembrança de uma gravação ou execução de uma de suas canções favoritas. Talvez os mais científicos e positivistas já comecem a pensar em uma resposta que explore as vibrações no ar e a percepção coerente e organizada pela mente humana, que são transformadas em impulsos emocionais com diferentes gradações de prazer, a depender de seus pressupostos e experiências. A neuromúsica, aliás, tem explorado nas últimas décadas diversas formas de tornar impulsos sonoros em padrões prazerosos, com o intuito de produzir o “hit chiclete do próximo verão” e faturar alguns milhões.
Talvez a dificuldade de falarmos sobre o que é música repousa na ideia de que ela é, quiçá, a expressão humana mais próxima do conceito do que é abstrato e o que temos de mais claro na percepção do que é, ou não, harmônico, simultaneamente a uma falsa sensação de relativismo e inclinação pessoal na sua apreciação. Em um mundo positivista e cientificista, lidar com algo que possui qualidades metafísicas e conecta-se com sentimentos, emoções, mente, alma e espírito, nos traz a percepção de misticismo, mistério e sobrenatural ao mesmo tempo que lhe foi conferido, erroneamente, a condição de ser parcial ou questão de gosto e afeição. O ponto a ser investigado e organizado aqui é que tanto nossas emoções quanto as qualidades do que é música não são um borrão, algo inexplicável, incompreensível e acidental. Aceitar essa ideia seria consentir com qualidades musicais e emocionais ilógicas e irracionais que mais se assemelham ao acaso ou a instintos animais, como Friedrich Nietzsche e outros propõe quando procuram explicar o ser humano e o mundo.
É verdade que centenas de livros foram escritos nesse assunto e diversos pensamentos, ideias e conjecturas trazidos à discussão, mas ao iniciarmos uma reflexão, o simples conceito da própria existência, ou não, da música já nos causa inquietação. Como uma manifestação abstrata e temporal a música acontece na experiência de escutá-la, no momento em que está sendo tocada ou quando está soando por meio de uma gravação, que é a imitação do evento real. Agostinho de Hipona também diria que a música pode existir primeiramente na mente de quem a concebe antes mesmo de ser executada, ou na mente de quem a interpreta antes mesmo que soe, ou ainda, que poderia ocorrer na mente de quem a escuta simultaneamente a execução da mesma e, finalmente, na memória de todos que já se relacionaram com ela de alguma forma. Fato é, que assim como a água de um rio nunca é a mesma, uma música nunca existirá, da mesma forma, mais de uma vez, sendo por tanto, uma experiência que se manifesta de forma corrente, abstrata e temporal, impossível de ser materializada por completo ao mesmo tempo que se apresenta de forma profunda, densa e real o suficiente para mudar até mesmo a nossa matéria.
Com tanto a ser explorado e desenvolvido, não é de admirar-se que a música nos foi oportunizada como parte daquilo que nos possibilita sondar o universo para expandir nosso espírito, obter sabedoria e consciência de quem somos e de quem nosso Criador é e espera de nós. O Mandato Cultural nos foi ordenado a partir de ideias de governo, cultivo, mordomia, disciplina e louvor. O problema todo começa quando deixamos influências humanistas corromper a cosmovisão bíblica. Por influência de filosofias em voga na modernidade, cristãos tendem a associar criação e natureza como equivalentes, e o que é pior, relacionam e equiparam esses termos à “meio ambiente” ou “ecossistema”, causando uma grande confusão onde a adoração a “mãe terra” compete com o amor a Deus e o nosso chamado como servos do Altíssimo. Talvez as palavras realidade ou existência, se encaixem melhor aqui. Como seres humanos conscientes de nossa vida e missão, o louvor ao Criador de todas as coisas deveria nos parecer natural ao nos depararmos com a ideia de cultivar, desenvolver e nos relacionarmos com tudo o que percebemos na realidade, incluindo aqui as frequências e vibrações presentes na existência. Nesse sentido, a música nada mais é do que o cumprimento do Mandato Cultural a partir da consciência e noção de gratidão, servidão e dedicação da nossa vida a Deus, gerando ações que harmonizam, ordenam, desenvolvem e zelam pelo que chamamos de som, com o fim único de louvar o Criador ao passo que desenvolvermos nossa humanidade para, no fim de nossa jornada, devolvermos nosso fôlego a Ele e sermos aceitos por aquilo que fizemos com o presente da vida.
Por tanto, a cada novo som percebido ou descoberto, com todas as suas características intrínsecas como timbre e frequência, além das atribuídas como intensidade e duração, por exemplo, a manipulação de sua essência fica sob nossa responsabilidade. Somos, de certa forma, livres para descobrir, trabalhar, criar, organizar e desenvolver o som de infinitas formas. Essa liberdade, porém, não significa a ausência de limites, direção ou fim. Nossa liberdade é condicionada à nossa missão e condição como servos do Altíssimo. Conhecê-Lo a cada dia mais é o que nos trará entendimento e profundidade das infindáveis formas de como podemos conceber essa arte, ao mesmo tempo que quanto mais nos conhecemos, e a própria Criação como um todo, contemplamos as também imensuráveis maneiras do que podemos fazer. O que podemos concluir nessa curta reflexão é que adorar e conhecer o Deus eterno e infinito é por definição intrínseca, uma missão eterna e infinita. Contudo, sondar o porquê específico da música existir e como isso nos auxilia com virtudes, disciplina e expansão do espírito, é motivo suficiente para nos aventurarmos em reflexões sobre sua essência, buscando entender, além do que ela é, como ela ocorre e interage conosco, ou melhor, como essa relação deveria acontecer dentro de uma perspectiva cristocêntrica.
Por fim, sobre a “escuta ativa” proposta pelo autor para atingir a apreciação musical como ela deveria ser em sua perspectiva, prefiro pensar em um termo distinto, que saia do campo da intelectualidade musical e do plano humanista e se alinhe com a profundidade aqui almejada. A recomendação da ausência de racionalidade, mesmo que substituída por uma total concentração ao que é externo, não me parece a melhor alternativa para atingirmos um objetivo maior. Para sermos levados a um estado de concentração e relacionamento com a arte que expanda nosso espírito e nos desenvolva para continuarmos nossa missão de conhecer a Deus e torná-Lo conhecido, é preciso que nos disciplinemos para atingir um estado de atenção consciente e racional, que coloca, no período da apreciação musical, apenas o que não contribui com aquele momento em segundo plano, ou seja, distrações, mas nos mantém alertas para entrar no campo da abstração e seguir a narrativa musical simultaneamente em suas diversas camadas, potencializando nossa sensibilidade musical e relacionamento com a obra. Uma proposta seria chamar essa forma de apreciação de “escuta expansiva”, algo que nos transforma, desenvolve e expande, para que possamos entregar ao Senhor de nossas vidas, quando ele desejar, um espírito que foi cultivado e dedicado a Ele.
LZ