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Beleza na Música: Inspiração e Excelência

Confira a relação entre matéria e espírito através da percepção da Beleza na Música e como ela inspira excelência em todas as áreas da vida.

Beleza na Música

I. Beleza na música

“E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente.” Gênesis 2:7

Ritmos, melodias e harmonias falam de coisas imateriais

O mundo moderno está cheio de falsas dicotomias. Razão e revelação, fato e valor, e masculino e feminino são definidos e separados de tal forma que faz-se necessário cuidadosas reflexões com o intuito de entendermos uma desejada ligação entre esses termos. A divisão entre o material e imaterial, o corpo e o espírito, também necessita disso. Gênesis 2:7 fala da formação de Adão do pó da terra, e o soprar do fôlego da vida, ou o espírito. Duas coisas de fato, mas curiosamente o resultado da combinação desses dois é a alma vivente. O que nos parece claro é que a alma é viva, e que isso, de alguma forma, é a combinação dos dois elementos da matéria e do espírito.
A maneira de andar de uma pessoa pode mostrar o ponto de contato entre o físico e o espiritual – isso é a interação entre a sensação do movimento literalmente como a visão e o som produzidos, e as conclusões tiradas sobre a personalidade, o humor, e estado emocional da pessoa pelo seu modo de andar. Quando o ritmo da caminhada é variado, o observador tira diferentes conclusões a respeito do estado de espírito da pessoa. O que o tempo tem a ver com coisas intangíveis como intenção, simpatia e confiança?
Os famosos versos de Platão no terceiro livro A República, dizem sobre como os modos musicais estão ligados diretamente a vários traços de caráter, posicionando-se, o autor, contra ou a favor na sua cidade ideal.
‘E quais são as harmonias lamentosas? Diz-me, já que és músico.’
‘São a mixolídia, a sintonolídia e outras que tais.’
‘Portanto essas são as que se devem excluir’
Esses moldes são a base tanto para a melodia quanto para a harmonia linear, e quando combinadas com ritmo, criavam um ambiente para a música que era de um escopo muito maior daquele que oferecemos hoje. Esse escopo não é nada menos que um formador do espírito. Na conclusão do prefácio de seu meticuloso livro sobre estética musical, o filósofo Roger Scruton vê esse escopo:
“Veio como uma surpresa o fato que uma simples pergunta como “o que é o som?” levou no fim das contas a uma filosofia da cultura moderna. Se eu tivesse pensado mais sobre cosmologia pitagórica, e o verdadeiro significado de harmonia eu saberia antes que a ordem dos sons é a ordem da alma.”
Platão parece estar recomendando nada menos que uma censura musical promovida pelo governo. A aceitação do iluminismo moderno de todas as formas de expressão musical não é o resultado de uma dura batalha pela liberdade individual, mas sim de uma crença que a música não tem poder de moldar e afetar a alma. Se nós realmente acreditássemos que a música tem o efeito de treinar a próxima geração para serem dissolutos, irresponsáveis, e covardes nós nos encontraríamos censurando músicas.
Escutar música não é a mesma coisa que escutar sons em geral. A diferença entre eles é que escutamos sons para sabermos o que está originando aquele som (o som de um carro ou de um bebê chorando), mas nós não ouvimos o som da música para escutar um oboé tocando ou uma guitarra sendo dedilhada. Mas, escutamos para ouvir o som que está fazendo. Nós podemos reconhecer que o som vem de um oboé, mas queremos saber o que o oboé está tocando. Há uma fonte, mas há significado na própria ordem dos sons. O objetivo, quando escutamos música, é ouvir o que está sendo dito: os contornos das melodias, a harmonia e o ritmo nos fala sobre um evento musical. Esses elementos são o meio pelo qual a comunicação vem – esses elementos são a linguagem do compositor/intérprete.

A Beleza é, em parte, a correspondência entre o material e o imaterial

Quando ouvimos esses elementos, nós verbalizamos a experiência em termos que são similares a outros aspectos da vida. Nós descrevemos traços de personalidade, emoções, ideias e humores. Muitas vezes inconscientemente, nossas mentes procuram padrões, simetrias, ordem e expressões que falarão a nós com significado. Esses sons físicos correspondem a esses aspectos intangíveis da experiência humana. Se há uma forma ou uma trajetória na experiência de um coração partido, ou na experiência de maravilhamento perante um Rei, há a possibilidade de os compositores capturarem algo dessas experiências dentro dos vários aspectos da composição. Parte da beleza do trabalho é o resultado da percepção da similaridade. Há algo apropriado, ajustado, correto ou profundo em um trabalho de sucesso que é belo, mas para sermos capazes de perceber essa similaridade, precisamos de outro elemento. 

A imaginação existe não muito para inventar coisas, mas para reconhecer correlação, relacionamento entre coisas – ver conexões. Não é por acidente que nós concordamos que o ritmo descoberto em uma vigorosa caminhada para o pódio reflete confiança, ou urgência, enquanto um ritmo quebrantado implica indecisão, distração e ansiedade. Nós experimentamos essa conexão entre as coisas tão frequentemente que aprendemos a sermos fluentes nessa língua.  

A imaginação é um órgão sensorial com o qual podemos fazer a seguinte correlação: ela conecta a dimensão material da música com estados mentais e de espírito, personalidades e outras características humanas. Assim como temos metáforas linguísticas, temos metáfora musicais. Descrevemos aspectos da música em termos não-musicais o tempo todo: uma forte e repentina explosão pode implicar em ira, melodias podem ser descritas como lânguidas, angulares, suaves, ternas, exigentes ou questionadoras. Pela sua natureza linguística elas são metafóricas – os sons em si mesmos não têm nenhuma dessas características. A música é desencarnada por natureza, então se formos falar daquilo que ela expressa, seremos obrigados a usar uma linguagem metafórica. A imaginação capta essas relações. Será que nossas imaginações não inventam coisas, mas reconhecem a Verdade por similaridades? Quando encontramos a metáfora perfeita, quando acertamos a combinação certa e a comunicamos precisamente, isso se torna parte da experiência que chamamos de percepção da beleza.

O Telos na Música

A Música é vista como um entretenimento, uma diversão, uma forma de criar uma certa atmosfera em um ambiente ou uma forma de preencher o tempo. Entretanto, para intelectuais antigos e da idade média, a música era uma janela através da qual podia-se ver a ordem criada, além de ser uma forma de treinar a alma em direção à integridade.

         A beleza da música é uma das fontes da hierarquia de amores que Platão faz no Symposium e na obra A República:

“Não é então por este motivo, Glauco, que a educação pela música é capital, porque o ritmo e a harmonia penetram mais fundo na alma e afetam-na mais fortemente, trazendo consigo a perfeição, e tornando aquela perfeita, se se tiver sido educado? E, quando não, o contrário? E porque aquele que foi educado nela, como devia, sentiria mais agudamente as omissões e imperfeições no trabalho ou na conformação natural e, suportando-as mal, e com razão, honraria as coisas belas, e, acolhendo-as jubilosamente na sua alma, com elas se alimentaria e tornar-se-ia um homem perfeito; ao passo que as coisas feias, com razão as censuraria e odiaria desde a infância, antes de ser capaz de raciocinar, e, quando chegasse à idade da razão, haveria de saudá-la e reconhecê-la pela sua afinidade com ela, sobretudo por ter sido assim educado. 

… Não te parece também que a nossa discussão acerca da música está terminada? Acabou onde devia. Pois a música deve acabar no amor do belo.” ¹

         Platão ensinou que o amor pela música instaura um amor pela beleza que transborda para todas as outras áreas da vida, levando a uma hierarquia do amor pela justiça. Roger Scruton escreveu, “… o belo não é apenas uma adição redundante à lista de apetites humanos. Não é algo que nós poderíamos viver sem e ainda assim sermos completos como pessoas. É uma necessidade que surge de nossa condição metafísica como seres livres, buscando nosso lugar em um mundo objetivo.”

         Se o Telos da música é a beleza, como então ensinaremos música? Treinando a imaginação de nossos estudantes, em como escutar os elementos da música. Os elementos de Adão eram matéria e espírito, fundidos para criar uma alma vivente que reflete o Imago Dei. Os elementos da música são: ritmo, melodia, harmonia, forma, textura e timbre, fundidos para criar uma composição que pode refletir ideias, experiência, e a própria humanidade tanto do compositor quanto do ouvinte. Quando se sabe o que escutar, começamos um novo caminho de escuta para o estudante. A habilidade de discernir, distinguir, e perceber a linguagem da música é o começo de um gosto genuíno por música, e gosto é uma faceta da sabedoria. Então música está formando nossas almas; de fato importa o que escutamos, e o que oferecemos em nossos cultos, importa tanto quanto a forma de nossas igrejas, e como nossas liturgias são projetadas, não apenas para fins educacionais – para termos uma teologia correta – mas para imitar a harmonia da trindade em nosso cotidiano.

         Então de onde vem a música? Há mais na música do que uma expressão emocional ou algo para criar um certo tipo de atmosfera em um ambiente?

O Banquete de Platão por Anselm Feuerbach (1873)

II. Inspiração

¹ Depois falou o SENHOR a Moisés, dizendo:  Eis que eu tenho chamado por nome a Bezalel, o filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá, E o enchi do Espírito de Deus, de sabedoria, e de entendimento, e de ciência…” Êxodo 31:1-3

As Musas Gregas

Imagem ilustrativa presente na Apostila Sons do Mundo.

 Muitos autores gregos mencionam as musas. Homero, Sócrates, e outros falam delas, mas Hesíodo é quem fala sobre os detalhes que geralmente são considerados. Eram nove delas:

  1. Calíope – Poesía Épica 
  2. Clio – História        
  3. Erato – Poesia Lírica 
  4. Euterpe – Música       
  5. Melpômene – Tragédia     
  6. Polímnia – Música Cerimonial (sacra)      
  7. Tália – Comédia    
  8. Terpsícore – Dança Lira 
  9. Urânia – Astronomia e Astrologia

Elas cantavam inspiração. As musas inspiravam muito mais do que apenas a música. Seus tópicos incluíam todas as artes humanas e todas as buscas intelectuais, e a inspiração era transmitida através de uma canção. A própria palavra música é tirada de Mousike Techne (“o trabalho das musas”). Quase todas as coisas que são descritos hoje como “artes e ciências” eram, para a mente grega, inspiradas por uma canção das musas, e a inspiração delas guiou Homero ao compor A Ilíada, que guiou Tucídides para escrever A História da Guerra do Peloponeso, que guiou Sófocles a escrever Édipo Rei, que guiou Pitágoras para descobrir a harmonia musical e a música das esferas. O resultado disso é uma abordagem que é tão inspirada, ora, que ressoa com a verdade a tal ponto, que irá nutrir filósofos, cientistas e artistas por milênios: o pré-requisito para beleza é a harmonia – a justa, correta e matematicamente primorosa relação entre objetos diferentes. Essas nove musas eram as guardiãs do conhecimento secreto da harmonia, e a significância desse conhecimento e o seu poder e influência em todas as áreas da vida eram simbolizados pelo fato delas serem filhas do próprio Zeus. 

A Beleza pode ser refletida em pinturas, esculturas e fotografias, mas há outras formas de arte como peças teatrais, filmes e músicas que incluem outro aspecto da experiência humana: o tempo. Assim que se introduz o elemento do tempo, a percepção de qualquer pessoa sobre o trabalho exigirá a habilidade de se lembrar do que já ocorreu. A memória se torna um aspecto importante da apreciação dessas artes. Perder a memória é perder a si mesmo. Se você não consegue se lembrar de sua identidade, todo esforço deve ser feito para corrigir tal situação. A memória é essencial para a identidade. Ela também é essencial para a compreensão da música, pela mesma razão. 

A Música cria um rastro na mente, que permanece mesmo depois que ela passa. A memória se apega àquele rastro, e o compositor conta com a nossa capacidade de fazer isso para conseguir descrever o padrão corretamente. Assim como palavras em uma sentença, nós encontramos música em momentos de sucessão linear, mas padrões musicais são feitos sem palavras; isso é, o padrão não é literal, mas se parece com padrões na arquitetura ou em um jardim porque esses também são compreendidos assim. Os Gregos deram uma resposta para duas perguntas: de onde vem a música, e que papel a memória desempenha na nossa percepção? Nós sabemos que o pai das musas é o próprio Zeus, mas raramente ouvimos falar da mãe: seu nome era Mnemósine (“Memória”). Então, para uma inspiração real, um conhecimento excelente, para que nossos bons dons criativos sejam libertos para desempenharem seu papel, para compreendermos a natureza da tragédia, do épico, da história, a ciência, a dança, até mesmo a teologia, nós precisamos da autoridade de Zeus, mas nós também precisamos do conhecimento daquilo que veio antes de nós – precisamos de memória. Essa memória não é apenas para palavras e notas anteriores na obra de arte apresentada no momento, mas o conhecimento da nossa própria história. O que os grandes artistas do passado fizeram? Como podemos herdar a sabedoria deles?

Como então devemos ensinar música? História. Nós precisamos lembrar. Mas há algo a mais para se considerar. 

III. Excelência

⁸ “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai.” Filipenses 4:8

Nossos dias são produtos da história tanto quanto qualquer outro dia. Nós somos herdeiros de um campo de estudo relativamente novo, chamado estética. É uma palavra moderna, cunhada pela primeira vez no século 18, e discutida extensivamente por Immanuel Kant e outros até que eventualmente toda a linha de investigação foi relegada ao subjetivo mundo de valores, para se juntar à sua irmã, fé, nesse limbo. Como resultado, nos últimos 225 anos, nossa cultura assumiu a beleza primeiramente como uma questão de experiência individual, e eventualmente, como uma questão puramente de preferência pessoal. Quando o objetivo é perdido, é impossível medir se um trabalho está se aproximando daquilo, então a perda do telos exige a perda do conceito de excelência. Inovação e habilidade técnica logo tomam o lugar da imaginação real, das similaridades e da beleza.

Portanto, a perda do que os antigos Gregos e Cristãos, e o que os Cristãos da Idade Medieval, pensavam ser a excelência na arte em geral e na música em particular é na verdade uma perda de confiança na era moderna. O significado literal de confiança sugere agir con fide (“com fé”). Uma falta de fé em Deus leva eventualmente a uma falta na habilidade de produzir “simples afirmações” (Como Richard Weaver diria). Primeiro perdemos a habilidade de dizer, “Esse é o objetivo da arte.” Então perdemos a habilidade de dizer, “Isso é belo e aquilo não é. Então “Isso é arte e aquilo não é.” E eventualmente a única coisa que podemos dizer é “Não há nada mais na arte além do choque daquilo que é novo; a expressão que força uma audiência a responder.” Reestabeleça a fé, e nós, nos acharemos de volta a definição de beleza que encontra sua fonte no perfeito caráter de Deus, e uma vez que Ele é nosso padrão, “melhor” e “pior” são categorias significativas novamente. Beleza é o objetivo da arte – não digo que “boniteza” é o objetivo – eu digo Beleza.

Então o que é beleza? Quantos filósofos naufragaram ao tentar fazer regras sobre beleza? O que precisamos não são padrões culturais com os quais retrogradamente julgaremos a beleza de um objeto; o que precisamos é um princípio útil e fundamental e a definição da palavra “objetiva”.

         Beleza objetiva é simplesmente aquilo que encontramos em um objeto ao invés de ser a resposta do ouvinte/espectador. Tomás de Aquino sustentou que a beleza era definida com as características do objeto e o efeito que o objeto tem no ouvinte/espectador. Em última análise, a visão Cristã de beleza incluirá os aspectos de imitações de modelos superiores, mas quando nossos dias são dominados pelo lado subjetivo do espectro, como de fato está, uma reintrodução do lado oposto é bem-vinda. Precisamos reintroduzir o estudo de forma. Quando alguém descreve os contornos da peça musical em si, como ela é composta, como ela é performada, o que ela oferece para contemplação, o significado das palavras escolhidas, tal pessoal está descrevendo o objeto em si, e a opinião resultante baseada nessas coisas deveria ser chamada de “objetiva”. Não erre ao confundir “objetiva” como um sinônimo para “verdade” como alguns assumem. A verdade é muito mais ilusiva, e nós mal tocamos na superfície com essa abordagem. Mas o que fizemos aqui foi resgatar uma categoria para discussão musical que exige pensamento. O que nós precisamos é uma definição do que é objetivo, que leve a um entendimento mais completo da obra, ao invés de considerar a obra apenas se nos sentimos comovidos por ela ou não. Ensinar música objetivamente significa que vamos abordar três aspectos (pelo menos):  

  • Performance (uma avaliação do virtuosismo do intérprete)
  • Composição (uma avaliação dos meios de expressão musical)
  • Conteúdo (uma avaliação da mensagem ou declaração da obra)

         Todos esses três exigem estudo, e tal estudo não revelará apenas o que há para saber sobre a obra musical em questão, mas também aprimorará a sensibilidade do ouvinte para ser cada vez mais capaz de discernir e explicar música. Com o tempo, exposição a esse tipo de abordagem alimenta nossas famintas imaginações na excelência, e percebemos que ao invés de termos que dizer aos nossos estudantes para não escutarem músicas que consideramos maléficas para eles, eles simplesmente não estariam tão interessados assim no trivial, básico, grosso. Não há nada mais encorajador para um professor de música do que ao ouvir um cantor esgoelar sua canção unidimensional sobre dor e paixão, ansiando para ser levado a sério, ver seu pupilo apenas bocejar e mudar a estação da rádio. 

Antifonário com canto gregoriano produzido por cristãos na Idade Média.

Uma base teológica para excelência

Qual então seria uma base para uma escola Cristã com a intenção de ensinar com excelência? Nós ensinamos que preferência é mais do que um gosto pessoal; é uma faceta da sabedoria. Preferir é a habilidade de discernir entre o que é bom e o que é excelente. Discernimento vem mais por meio de exposição regular e experiência (assim como um mestre treina o paladar de um degustador de vinho ou o ouvido de um afinador de piano) do que por meio de regras e regulamentos. O que é necessário é um professor mestre que saberá não apenas música, mas que além disso, sabe fazer conexões a partir da música, pela imaginação através de metáforas, para o campo da experiência humana, e finalmente para teologia real. 

         Qualquer obra de arte requere um elemento de unidade e de diversidade combinadas. Os Gregos debateram sobre o uno e o múltiplo, mas grandes obras possuem os dois elementos. A razão é que a própria Criação reflete unidade e diversidade em cada uma de suas categorias (como árvores, peixes e homens), e nós nos vemos satisfeitos quando as duas apresentadas. Unidade demais? Tédio. Diversidade demais? Caos. Por que deveríamos nos surpreender que tanto a Criação quanto nossas preferências foram criadas por um Deus que é fundamentalmente a perfeita unidade e a harmoniosa diversidade na sua Trindade?

         O fundamento para o trabalho de fazer arte é encontrado na doutrina da encarnação. Estamos falando de coisas invisíveis como ideias, experiências, sentimentos e os tornando perceptíveis através de vários meios físicos que podemos usar (argila, filme, pedra, pintura, música).

         Até mesmo a base do porquê precisamos de educação musical é teologicamente fundamentada. Nossas imaginações também foram danificadas pela queda. Através do estudo da música (ou de arte em geral) nós aumentamos nossa habilidade de ver conexões entre as coisas. No pensamento moderno o dano feito à nossa preferência é ignorado simplesmente relegando toda a categoria da beleza a lata de lixo da subjetividade, mas um tipo de maturidade humana pode vir como resultado de levar a sério as reivindicações da beleza. A realidade é que nossa visão da estética também foi danificada, e o único caminho de volta para uma humanidade mais completa é através da oração e de repensarmos nossa definição daquilo que preferimos para Sua glória.  

         Educação é mais do que ensinar matérias; é o treinamento de nossa sensibilidade para amar aquilo que é digno de ser amado, vinculando o coração ao bem. A música foi ensinada no mundo Clássico e Medieval como uma forma de moldar a alma para viver uma boa vida. Nós precisamos reavivar uma apreciação pela música dessa forma, ao invés de oferecer qualquer música popular sem nenhum padrão ou uma música acadêmica e esotérica. Eu estou convencido de que se levássemos a sério as conexões da nossa teologia, nós poderíamos reintroduzir o público geral para a sala de concerto novamente, pois a música seria relevante novamente. 

         Então, como ensinaremos música? Nós o faremos por meio de comparação. Compare os trabalhos dos compositores do passado e do presente, e ofereça o fundamento dos critérios para avaliar o objeto, começando com a performance, a composição e o conteúdo. Então, inclua aspectos do fazer musical, pelo piano, orquestral e banda, e canto coral. A composição faz uso da forma e de elementos da música, e isso, com uma percepção do que a música está dizendo, leva o performer a sua interpretação. É o que faz a música significativa para todos os cativados. 

IV. Conclusões: uma visão sacramental do mundo

“E disse-lhe Jesus: Eu vim a este mundo para juízo, a fim de que os que não vêem vejam, e os que vêem sejam cegos.” João 9:39

      O Naturalismo que não permite uma consideração séria do supernatural leva a muitas consequências inesperadas, principalmente a perda de propósito espiritual nas coisas materiais. Quando Jesus se chama de videira e nós de ramos, ele abre nossos olhos para um aspecto do Reino de Deus, mas ao fazer isso, ele dá grande honra às videiras. Se nosso modo de pensar não tiver a dimensão supernatural, nós ainda teremos videiras, mas se olharmos mais atentamente, veremos que as videiras perderam algo nessa transação. Elas são menos grandiosas.

Da mesma forma, uma visão sacramental da música garante uma honra especial e um significado para música – uma posição que nos permite ter um vislumbre da mente de Deus e de sua Criação através da harmonia.

A combinação de uma visão sacramental do mundo com uma imaginação santa pode alimentar nossas almas com vestígios do transcendente através de detalhes do mundo. Isso é o belo – a similaridade entre o objeto material e o espírito transcendente – uma ressonância da harmonia mediante o ruído do mundo caído. Por favor, note que eu não disse apesar do mundo caído – mesmo que por vezes seja assim – mas mediante o mundo caído. Esse é o poder de Deus: nos mostrar sua harmonia mesmo com os elementos de desordem ao nosso redor.

Uma visão sacramental do mundo sugere uma relação metafórica entre o físico e o espiritual e isso por sua vez dá uma rica profundidade para metáforas de todos os tipos, inclusive metáforas musicais. Isso também nos dá um propósito para a arte e para a música: beleza. Beleza é pelo menos em parte o reconhecimento da similitude entre matéria e espírito, e precisamos ensinar à próxima geração a desvendar essas metáforas – para verem sacramentalmente. Isso exige inspiração de Deus, o Santo Espírito, a verdadeira musa que os Gregos só podiam conjecturar sobre, e o presente que Deus nos dá da imaginação.

O Belo perdeu seu caminho no século 20 e nisso perdemos nossa conexão com o transcendente – isso é, você não pode ter a experiência de ver além de objetos desse mundo se você não acredita que há outro depois desse. O Naturalismo, que parecia tão otimista no século 18, agora parece um beco sem saída intelectualmente. A Natureza separada do seu Criador se torna matéria sem significado, e funestamente, qualquer empreendimento humano aspira a nada mais alto do que aquela desalmada existência.

O homem moderno (e eu incluo o homem pós-moderno nisso) é mal-assombrado pela sua própria humanidade, vendo fantasmas de significado, euforia, profundidade e alegria na rotina diária de sua vida. Quando ele para refletir, ele sente o ritmo musical de sua respiração, do batimento de seu coração, do seu andar; por vezes parece que há mais no comer de suas refeições do que a sustância; ele flagra a noção de harmonia em um hábil jogador de futebol; talvez um vislumbre de unidade quando ele mais esperava ver diversidade, digamos em seu casamento; ou diversidade quando ele mais esperava unidade, talvez em seus filhos gêmeos; ele pode até mesmo ver acima de sua ansiedade e encontrar certa alegria no ritmo de trabalhar e dormir, ou ao olhar para uma vida longa, discernir uma certa melodia para seus dias, uma certa beleza na ascensão e queda de sua sorte, cada um desses acontecimentos conectados em uma linha aos outros de uma forma que ele não poderia ver enquanto estava vivendo. 

É para isso que serve a música. Mais do que apenas uma forma de distração dos aspectos difíceis da vida – como uma forma de droga emocional usada para nos amortecer e nos entreter enquanto descansamos – música tem a habilidade de delinear algo da real experiência de viver. Ela fala da condição humana porque é, como qualquer outra metáfora, o uso de material físico desse mundo para despertar aquilo que transcende nosso presente momento. Tem a habilidade tanto de refletir nossas experiências quanto de formar a forma que as vemos. 

Educação musical então, tem a habilidade de nos lembrar da relação dessa matéria e espírito, moldando nossas almas para amar a beleza da harmonia. Essa é a razão pela qual os antigos educavam por meio da música e da ginástica. Essa é a razão pela qual a música sempre possuiu a posição que tem no quadrivium. Educação musical leva a um amor pela harmonia de todas as coisas. 

Como então ensinaremos música? Com seus elementos, a história, a comparação de excelentes trabalhos, e finalmente pela extensão dessa harmonia – que é o belo relacionamento entre objetos diferentes – que abrange todos os aspectos da vida: para a justiça, o casamento, para relações de trabalho virtuosas, para amar àqueles diferentes de você, para a matemática, a ciência, a filosofia, e finalmente ao próprio Deus trino. A beleza da harmonia sintoniza nossos afetos para a virtude, o amor e a mente de Deus.

Entender a música apropriadamente não salvará nossas almas, mas o que o escritor e crítico Donald Drew disse sobre literatura se aplica a música também, “depois de experiencia-la, haverá mais alma ali para se salvar.” 

John Mason Hodges

Editor Chefe: Lucca Zambonini

Tradução: Giovanna Zorzenoni

Editor de Conteúdo: Bruno Philippe

Original: https://ffclassicalmusic.org/beauty-in-music-inspiration-and-excellence/

Trabalhos citados:

  1. Nota Tradutor: ¹PLATÃO. A República. 1. ed. São Paulo: Martin Claret, 2004.
  2. Scruton, Roger. Aesthetics of Music.
  3. “Beauty and Desecration,” City Journal, Feb. 2009.
  4. Bíblia Sagrada    
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